Dilma, descontraída, durante uma cerimônia em Brasília. Primeiro, ela dá o apelido. Depois, vem com o caderninho “terrível”
“Você é danado!”, para um governador. “Leão da Montanha”, para um vice. “The Turtle” (tartaruga), para um senador. “Não me venha de borzeguins ao leito”, para o presidente de uma estatal. É assim, entre apelidos e provérbios do arco da velha, que a presidente Dilma Rousseff, famosa pela rispidez, vem alinhavando seu lado bem-humorado. Pode não ter muita graça, mas são essas as histórias contadas por aqueles a quem ela faz sorrir. “Danado!”, por exemplo, é o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. A presidente, compulsiva com diminutivos, o chama comumente de Serginho. A exclamação é o prêmio que ele ganha depois de fazê-la rir com seu reconhecido dom para imitações. A mais recente é a do vice. “Faz o Michel, Serginho, faz o Michel”, pede a presidente, quando estão numa roda pequena. O governador capricha, transmuta-se em Temer, acentua um singular gestual das mãos. Dando risada, a presidente concede: “Você é danado!”.
“A presidente Dilma tem um senso de humor sofisticado, ao estilo mineiro”, afirma o governador Cabral. “É bem-humorada, mas está mais para o sorriso do que para a gargalhada.” Como exemplo do “bom humor” da presidente, Cabral conta um momento tenso que viveram juntos, dentro de um helicóptero, depois de um debate televisivo durante a campanha eleitoral. “O tempo fechou, a visibilidade era zero, o pouso foi difícil – e, com todo o estresse do debate, ela não esquentou a cabeça”, diz. “A presidenta sabe que a vida com bom humor é muito melhor.” Cabral também imita o ex-presidente Lula. Já o fez para o próprio, que adorou, e para Dilma, que repetiu o “Danado!”. Ele imita a presidente também – como já fez para Lula –, mas ainda não se atreveu a exibir-se para a própria. “Isso eu não faria”, diz. “No momento, estou me esmerando no Henrique Meirelles.”
“Leão da Montanha” – aquele personagem do estúdio americano Hanna-Barbera, do bordão “Saída pela esquerda...” – é o vice-governador do Rio, Luiz Carlos Pezão. A presidente passou a chamá-lo assim, nos momentos apropriados, durante a tragédia da Serra Fluminense, no começo de seu governo. Os dois encontraram-se lá, no meio do drama. Ela admirou seu desempenho – e foi buscar na memória o desenho animado dos velhos tempos. No primeiro dia em que estiveram na região da tragédia, a presidente observou que Pezão – de 1,90 metro de altura e pés 48 – era o único dos homens a usar sapatos, enlameados, e não galocha, calçado mais apropriado para o lamaçal. “Não achei bota do meu número”, disse Pezão, quando a presidente perguntou. “No dia seguinte a minha galocha chegou”, diz ele. “Ela mandou a Petrobras providenciar.”
Antes que a montanha desabasse, Dilma Rousseff chamava Pezão de Pezãozinho. Como o vice-governador é também o secretário de Obras, os dois se aproximaram desde os tempos do PAC, quando a presidente ainda era ministra da Casa Civil. “Ela é muito agradável, bota apelido em todo mundo e está sempre com bom humor”, diz Pezão. Com o exagero, proposital, ele preparou o terreno para a verdade: “Primeiro, ela chama no apelido, mas depois vem o caderninho, que é terrível. Esse caderno é uma loucura. Deve ter tudo do governo Lula, além do governo dela. É com ele que ela faz as cobranças”. Como é o tal caderno? “É de arame. Era um pequeno. Agora é um grosso. Tem tudo ali, além de uma cabeça extraordinária. Você não enrola ela de jeito nenhum. Ela me cobra direto o teleférico do Alemão. É louca para andar no teleférico.” Divertido, Pezão imita a cobrança da presidente: “Pezãozinho, como é que está o teleférico? Tem um ano de atraso”. Ele se explica e, em seguida, ouve: “Conversa, Pezãozinho, você é o rei das desculpas”.
Um dia desses o senador Delcídio Amaral (PT-MS) prometeu à presidente que falaria com o engenheiro Flávio Decat, seu amigo, hoje presidente de Furnas. Diria a ele que ela queria falar-lhe – mas não ligou, e muito menos transmitiu o recado. Dilma telefonou, Delcídio atendeu: “Delcídio, The Turtle”, ela disse, algo irritada. “Agora não precisa mais, eu já falei com ele.” Eles se conhecem desde que Delcídio era diretor da Petrobras e Dilma Rousseff secretária do prefeito Alceu Colares, em Porto Alegre. No dia 8 de fevereiro, aniversário de Delcídio, a presidente ligou. “Ô, Santinho, tô te ligando pra dar os parabéns. Sei que você está fazendo 56 anos. Recebi umas pessoas que perguntaram por você, com muito carinho. Mas não vou te dizer quem foi, senão você vai ficar muito mascarado.” Versão do senador.
O vice-governador do Rio, Luiz Carlos Pezão (à esq.), é o Leão da Montanha. O governador Cabral (no alto), que faz Dilma rir, é chamado de Danado. E o senador Delcídio Amaral, que demorou para atender a um pedido, virou The Turtle
Ele defendeu o governo, na tribuna do Senado, quando um apagão atingiu oito Estados do Nordeste, no começo de fevereiro. Ela ligou: “Ô, Santinho, você acreditou mesmo em tudo aquilo que você falou?”. Amaral respondeu: “Eu sei o que aconteceu, Dilma, mas eu não vou dizer que teve barbeiragem, né?”. E disse: “Ela sabia que tinha barbeiragem, e que eu, ao defender o governo, estava escondendo o jogo”. Delcídio acha que a presidente é bem-humorada, “mas de um humor sutil, intelectual, elegante. Ela é sarcástica, elaborada, saca ligeiro. Brinca, mas com elegância. Não dá para comparar com o Lula, que fala palavrão direto”. “Sabe o que deixa ela feliz?”, pergunta Delcídio. E responde: “É dizer que ela está magra. ‘Ô, Dilma, tá numa elegância danada!’ Ela fica doida!”.
Como presa política, no começo dos anos 70, a hoje presidente era boa de humor negro na resistência às agruras. Ela contou, numa entrevista, que, quando alguma presa era retirada da cela para outra sessão de tortura, todas reagiam com uma espécie de grito de guerra: “Não liga não, se você for torturada, a gente denuncia”. E comentou: “A gente ria disso, pela ironia absoluta que é. O que é que adianta denunciar? Para o torturado, o que é que adianta? A gente estava rindo da tortura. Estava tentando controlar uma situação que é absolutamente fora do controle”.
A advogada Maria Regina Barnasque, funcionária do memorial da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, trabalhou com Dilma Rousseff nos idos em que ela jogava vôlei (sim!). Assessorou a hoje presidente no governo Olívio Dutra e foi com ela para Brasília no primeiro governo de transição do presidente Lula. Foi para ela, a quem apelidou de Buluga, que Dilma contou ter sido indicada ministra de Minas e Energia. Uma vez, quando a turma do vôlei tomava um chopinho depois da partida, Buluga e uma colega foram ao toalete. Na saída, a colega levou uma cantada:
– Oi, gatinha.
– Eu não sou gatinha.
– Oi, gatona.
– Eu não sou gatona.
– O que você é, então?
– Eu sou um ser humano.
De volta à mesa, Buluga contou o diálogo a Dilma Rousseff. Ela respondeu: “O pior, Buluga, é se ele dissesse ‘Oi, ser humano’. E ela respondesse: ‘Eu não sou um ser humano, eu sou uma gatinha’”.
“É um humor politicamente incorreto”, diz a jornalista Jandira César, outra amiga daqueles tempos.
Borzeguins são botas altas, com cadarços. Machado de Assis usou a palavra mais de uma vez. Carlos Drummond de Andrade também. E Tom Jobim idem. A banda mineira de rock Os Baratas Tontas usou “borzeguins ao leito” como título de uma música que fala da fissura de um cara por uma garota de tênis preto amarrado na canela. “Não me venha de borzeguins ao leito” equivale, em muitas possíveis interpretações, a “não me venha com conversa fiada”. Ou, numa versão mais largada, a “não esculhambe a guerra com baladeira”. Quem ouviu a frase da presidente Dilma, numa discussão sobre tarifas de energia elétrica, foi o engenheiro Maurício Tomalsquim, presidente da Empresa de Pesquisa de Energia. Tomalsquim é daqueles com quem a ministra Dilma já gritou mais de uma vez. “É o jeito dela”, ele disse certa vez, feliz da vida.
Com os que a servem diretamente, no dia a dia do Planalto, prevalece um clima de reverência, de cuidados para evitar que ela se aborreça, e, em alguns casos, de temor de levar a ela assuntos que possam ser considerados desagradáveis. Mas há momentos divertidos também. Um deles é a reação da presidente quando alguma coisa do cerimonial não é de seu agrado. O chefe é o conselheiro do Itamaraty, Renato Mosca. “Se prepare que seu próximo destino será em Burkina Faso”, ameaça jocosamente a presidente da República.
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