Livro 'Por uma Vida Melhor' traz erros de concordância e causa polêmica.
Apesar das diferentes possibilidades, escola deve ensinar norma culta.
Algumas situações na vida da gente ficam marcadas. Recordo-me de uma professora de português da quinta série que pregava uma coisa muito importante que jamais foi esquecida. Ensinando a língua para seus alunos, cobrava deles que falassem correto, até porque eram muito jovens e estavam lá para aprender algo além do que já sabiam.
Nunca, porém, esquecia de fazer a ressalva de que jamais deveríamos fazer chacota daqueles que falavam errado, principalmente os mais velhos – muitos deles não tinham tido a oportunidade de frequentar a escola e aprender a falar da maneira como é ensinado lá.
Essa lição nunca foi esquecida. Ela foi mais lembrada por esses dias quando surgiu a polêmica em torno do livro didático “Por uma Vida Melhor”, da ONG Ação Educativa. Esse livro é voltado para jovens e adultos e foi distribuído pelo MEC. Em um de seus capítulos, defende a ideia de que todas as formas de falar são válidas, como por exemplo “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado.”
Não ficou bem claro o porquê desse capítulo. Isso permite refletir sobre a questão de como se fala e de como se escreve. Falar e escrever são duas formas de expressar aquilo que se pensa. A escrita não é a transcrição da fala, mas elas têm muitas coisas em comum. Por vezes, são idênticas.
Porém, a linguagem oral é mais solta – a espontaneidade e o regionalismo têm mais espaço. Na escrita as coisas são diferentes. É necessário um rigor maior com a norma culta.
Na comunicação pela fala, tem-se toda uma possibilidade de se fazer entender através de gestos e expressões. Ela é direta. Com a escrita não. Temos que usar uma maneira única para que a comunicação realmente aconteça. Se cada um for escrever de um jeito diferente, dificilmente algo será comunicado. Assim, faz-se necessário ter uma forma oficial. Ela vale para a fala e a escrita, mas é mais rígida com a segunda.
Talvez seja essa a ideia que o livro quisesse passar. Ora, dirão muitos, o importante é se expressar. Não importa como. Sem dúvida. Expressar-se e se fazer entender, para que não fique um diálogo de surdos. Então precisa haver uma proximidade do discurso entre aquele que fala/escreve com o que ouve/lê.
Mas não devemos nos esquecer que apesar das diferentes possibilidades, a escola deve sempre ensinar a norma culta. Essa é sua obrigação. Acredito que ninguém vai para a escola para aprender aquilo que já sabe ou continuar falando errado. Uma coisa é aceitar o modo próprio de um aluno se expressar, outra é permitir-lhe o acesso aquilo que é comum para os mais estudados: falar e se expressar corretamente.
Até porque as pessoas vão para a escola para progredirem profissionalmente, socialmente, pessoalmente. Se não, iam procurar outra coisa para fazer. Determinadas coisas não precisam ser ensinadas em livros. Como, por exemplo, que o modo de uma pessoa falar, bem distante da norma culta, é correta, mas que pode haver um preconceito de outros por causa disso.
Isso tem que ser experienciado pelo professor no seu dia a dia, para que seu aluno, seja criança ou adulto, se sinta bem e tranquilo para se expressar. Acolher seu aluno como ele se apresenta para então lhe mostrar como é a regra da fala e escrita.
Não dá para defender o falar errado e nem ensinar isso. O que apenas mostraria a falta de educação de um povo. Um dos aspectos de sua identidade e ponto de união é sua língua.
(Ana Cássia Maturano é psicóloga e psicopedagoga)
Nenhum comentário:
Postar um comentário